A magia da voz
Em CD e show, Roberta Sá se impõe como uma das melhores intérpretes de sua geração
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Roberta Sá possui uma estranha peculiaridade: sua beleza física é camaleônica, jamais parece exibir o mesmo rosto ou o mesmo corpo. Não apenas em fotos. Quando essa potiguar de 24 anos, alta e (agora) esquálida, sai por instantes da mesa em São Paulo onde conversa com ÉPOCA e volta, já parece outra. A persona fluida faz com que se comporte ora como garota mimada da zona sul carioca (solteira, desde os 15 anos mora no Leblon com a mãe e o padrasto), ora como nordestina incisiva. ''Não sei por quê'', comenta com sorriso largo. ''Nunca pareço igual...''
A moça, porém, conserva um traço distintivo: a voz. Exibe um timbre nítido, desembaraço no fraseado e uma espontaneidade capazes de arrebatar os músicos com quem trabalha ou que ouviram suas primeiras gravações. Entre eles, Paulinho da Viola e Elton Medeiros derramam-se em elogios à estreante. ''Ela escolheu o caminho mais difícil'', diz Medeiros. ''Interpreta composições que exigem alto grau de musicalidade.''
Esse dom se faz sentir no CD de estréia, o extraordinário Braseiro, lançado em show no Rio de Janeiro, na semana passada. O espetáculo continua nas quartas-feiras dias 20 e 27. Para realizá-lo, Roberta consome-se em ensaios. Nos últimos dias, conta, emagreceu 4 quilos, só pensando no show - o que provoca alterações profundas em sua aparência, diversa da estampada na capa do disco. ''O problema é que sou perfeccionista e não descanso.'' Seu gosto vai de bossas (''Eu Sambo Mesmo'', de Janet de Almeida) a músicas ainda mais difíceis, como os sambas ''Pelas Tabelas'' (Chico Buarque) e ''No Braseiro'', que Pedro Luís, outro fã, compôs para ela. Para ter uma idéia de seu canto, basta imaginar um amálgama que contenha Marisa Monte e Gal Costa, com doses maiores de jovialidade, punch e notas graves. ''É uma intérprete requintada'', analisa Rodrigo Campello, diretor do show e produtor do disco. ''Seus vibratos seguem a melhor escola brasileira.''
Roberta Varella Sá sempre cantou, mas deu o salto ao estudar técnica vocal. Em Natal, onde nasceu, ouvia os sambas favoritos da mãe, embora o pai, o político Múcio Sá, preferisse Beatles. Aos 18 anos, morou no Missouri, num programa de intercâmbio, e lá foi contralto num coral. De volta ao Rio, fez aulas de canto, enquanto estudava Jornalismo e trabalhava como balconista de uma loja de grife. Curiosamente, a carreira começou no reality show Fama, em 2002. ''Fiz o teste só para ver.'' Passou e participou do programa, mas foi eliminada numa semifinal. ''Era uma novela. Eu fazia a princesinha.'' Jura que não sabia cantar, mas conheceu na ocasião o professor Felipe Abreu.
Irmão de Fernanda Abreu, Felipe incentivou Roberta a gravar uma fita demo e a fazer o primeiro show, no Mistura Fina. No fim de 2003, Roberta levou uma fita a Gilberto Braga, que escrevia a novela Celebridade. O autor gostou da voz e a convidou a gravar o samba ''A Vizinha do Lado'' (Dorival Caymmi), prefixo de Juliana Paes. Rodrigo Campello produziu e arranjou a faixa. A música fez tamanho sucesso que lhe rendeu o convite para gravar. Braseiro tem participações de Pedro Luís, Ney Matogrosso e MPB4 e virou um êxito de crítica, para a surpresa da cantora. Planeja agora uma turnê para conquistar o público. ''Será uma anti-superprodução'', brinca. Séria: ''Estou no começo. Não sei como será''. Mesmo sem querer, Roberta já se impõe, segundo os especialistas, como o timbre canônico de sua geração. E reúne arte para se converter numa das intérpretes mais puras da MPB atual. Sua voz revela identidade de estrela.
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