segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,não indagues.
Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e amemória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros.Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Carlos Drummond de Andrade

4 comentários:

Jota Ninos disse...

Pedro, acessa meu blog: inseri um texto publicado em minha coluna semanal Perípatos (Diário do Tapajós), onde mostro minha indignação com a grande maioria dos programadores de FM´s, que nos impõem porcarias na programação. Claro que você é a exceção da regra, mas o pessoal da 94 também entrou nessa onda.
Vai lá no www.jotaninos.blogspot.com e se puderes, comenta e repassa o texto pra que a gente possa fazer uma corrente do bem e debater esse tema.
Abraços

Anônimo disse...

Oi Pedrinho.
Sabes que sou fã num 01 do Planeta. Gostei muito de sua postagem. é bom saber que ainda existem pessoas que apreciam esse tipo de coisa, que hoje em dia para muitos é caretice. Agradeço por atender aos meus pedidos. Hoje quero ouvir Marisa Monte - Demais Ninguém e Maria Bethania - Brincar de Viver. Vou estar na facul, mas com o fone no ouvido.

BJÃO, SUCESSO!

Anônimo disse...

fale pedro,
Ja pensastem em fazer um podcast do teu programa? tenho a certeza que daria muito certo! pensa no que eu tou te dizendo, gostaria muito de um dia poder ouvir aqui em Belém a sempre ótima seleção do teu programa!
Abração
Ary R. Rabelo

Anônimo disse...

Olá denovo,
Gostaria de dar uma dica para todos que são leitores assiduos do teu blog.
Se quiser ficar antenado nas atualizações do http://planetamusica.blogspot.com/
Faca o seguinte:

1- entre no site http://www.rssfwd.com/
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4- Pronto simples assim! Agora toda vez que o blog tiver alguma novidade vc vai receber por e-mail!