sábado, 26 de dezembro de 2009

Prefácio do livro de Márcio Borges,
Os sonhos não envelhecem

Por Caetano Veloso

Nos anos setenta, um grupo de mineiros se afirmou no cenário da música popular brasileira com profundas conseqüências para sua história, tanto no âmbito doméstico quanto no internacional. Eles traziam o que só Minas pode trazer: os frutos de um paciente amadurecimento de impulsos culturais do povo brasileiro, o esboço (ainda que muito bem-acabado) de uma síntese possível. Minas pode desconfiar das experiências arriscadas e, sobretudo, dos anúncios arrogantes de duvidosas descobertas. Mas está se preparando para aprofundar as questões que foram sugeridas pelas descobertas anteriores cuja validade foi confirmada pelo tempo. Em minas o caldo engrossa, o tempero entranha, o sentimento se verticaliza.
Márcio Borges é a pessoa indicada para escrever sobre a experiência daqueles garotos mineiros nos anos setenta não apenas por ser ele próprio um dos letristas mais atuantes e representativos do grupo, mas por ter sido ele a induzir Milton Nascimento a compor. E Milton Nascimento foi – é – o pólo, o elemento catalisador, o próprio lugar de inspiração do movimento. Quando Milton surgiu num festival da TV Excelsior de São Paulo cantando uma composição de Baden Powell, Gil me chamou a atenção para a originalidade do seu talento. Essa observação Gil viria a confirmar quando ouviu as primeiras composições de Milton. Eu, no entanto, se fiquei impressionado com a presença pessoal do colega recém-chegado (sua beleza nobilíssima de máscara africana, sua atmosfera a um tempo celestial e triste, sua aura mística e sexual) não fui capaz de detectar a grandeza musical de seu trabalho, num primeiro momento. Vi-lhe a seriedade de intenções e sinceridade de tom desde sempre, mas eu sou baiano (amante das aparências) e estava engajado num programa de regeneração da música brasileira através da carnavalização do deboche e do escândalo – através da paródia e da autoparódia – e não via ali muito além de um desenvolvimento daquilo que Edu Lobo já vinha fazendo de interessante, ou seja, um desdobramento da bossa-nova que abrangia estilização das formas nordestinas. Claro que, em breve, veria que muito do que nós baianos tínhamos sublinhado – a saber: rock, pop, sobretudo Beatles, além da América espanhola – também estava incorporado ao repertório de interesses de Milton. Mas todo esse conjunto de informações desempenhava funções distintas em seu trabalho e no nosso. Sem apresentar ruptura com as conquistas da bossa-nova, exibindo especialmente uma continuidade em relação ao samba-jazz carioca, Milton sugeriu uma fusão que – partindo de premissas muito outras e de uma perspectiva brasileira – confluía com a “fusion” inaugurada por Miles Davis. Essa fusão brasileira desconcertou e apaixonou os próprios seguidores da “fusion” americana. Quando Milton estava com o show num teatro à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, em 1972, eu vim da Bahia – para onde tinha voltado depois do exílio – e fiquei tão impressionado com o que vi e ouvi ali quanto os músicos do Weather Report que visitaram o Rio pouco antes ou pouco depois. Talvez por razões – e com conseqüências – diferentes, mas no mínimo com a mesma intensidade. A profundidade que eu percebi ali só fez se intensificar para mim desde então. Orgulho-me de não ter me entregue a um repúdio puro e simples do que era diferente de mim. E de, por isso, poder hoje ter um diálogo enriquecedor com essa diferença. O que me levou a isso foi minha reverência pela música: Milton sempre foi obviamente para mim um músico muito maior do que eu.
Para contar sobre o lado de dentro dessa história de mineiros, sobre a vida vista do ângulo daquela esquina que nomeou o grupo famoso, Márcio Borges, sensível, poeta, cheio de inteligência e amor, mostrou-se generoso o bastante para decidir-se a escrever para nós este livro.

Um comentário:

Anônimo disse...

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