segunda-feira, 27 de março de 2006

Arquitetura da Flor - Francis Hime

Compositor apresenta dez novas canções, e duas regravações, no disco mais despojado de sua carreira

Foi a partir dos versos de Geraldo Carneiro para o samba A Invenção da Rosa, que Francis Hime extraiu o título de seu mais novo CD, Arquitetura da Flor, o segundo de carreira pela Biscoito Fino. Sob uma sonoridade enxuta que explora basicamente as possibilidades de um quinteto (piano, baixo, bateria, guitarra e percussão, com intervenções de sopro), em contraponto à grandiosidade orquestral que caracteriza a maioria de seus trabalhos, Francis apresenta um disco repleto de nuances, no álbum mais confessional de sua trajetória. “Procurei valorizar melodia e harmonia, dando um tratamento despojado às canções. É o disco mais prazeroso que já gravei”, resume o maestro.
Como tem sido comum em seus trabalhos, Francis apresenta um punhado de novas canções (são dez ao total), e duas regravações. Um dos músicos mais atuantes de sua geração, que se recusa a viver de glórias passadas, embora as tenha em quantidade que bastaria para mantê-lo entre os maiores compositores brasileiros sem que precisasse acrescentar uma nota a seu vasto repertório, Francis mantém sua flor renovada, arquitetando-a com a volúpia e a proficiência de um iniciante.
Arquitetura da Flor traz 6 novas composições em parceria com Geraldo Carneiro. Além de A Invenção da Rosa, que abre o disco, há Gozos da Alma (lançada por Leila Pinheiro, em 2005), e as inéditas A Musa da TV, Mais-Que-Imperfeito, Mar do Amor Total, História de Amor - esta com a participação da cantora Nina Becker, da Orquestra Imperial, num dueto que transcende quatro gerações da MPB.
Sem Saudades é uma parceria de Francis com Cartola, a partir dos originais de um antigo poema do autor de As Rosas não Falam, entregue ao maestro pela neta do sambista. O samba, composto em 2005, conta com a participação de Zelia Duncan. E como a flor é assunto recorrente na arquitetura deste álbum, a letra de Cartola endossa: “passo o dia entre as flores / o espinho pontiagudo / pela rosa faz tudo / defende-a do malfeitor / isto é que é ter amor”.
Amor e flor germinam significados complementares. É assim em O Mar do Amor Total, onde a letra de Geraldo Carneiro subverte a própria natureza: “você é perfeita, minha flor / parece feita com a surpresa da imperfeição”. Ou na poesia de Simone Guimarães, cujos versos “É tanta quimera florida / mas sempre há de ter o adeus” adqüirem a ressonância de um samba ligeiro, na genealogia do samba jazz.
Do Amor Alheio tem letra quase minimalista de Abel Silva, com melodia típica de Hime. O tema à guisa de introdução, que normalmente ganharia diversas vozes nos arranjos mais característicos de Francis, resume-se ao essencial no piano do maestro, direto como os versos de Silva: “Ah, não corresponder a quem te ama / mas se não é amor / o que em troca oferecer?”.
A parceria entre Francis e Olivia Hime costuma fertilizar os discos de um e de outro – como no caso de Canção Transparente, indicada ao Grammy Latino do ano passado, na categoria melhor canção brasileira. Desta vez, é Desacalanto, com letra de Olivia, que traz elementos como pó, água e luz para fecundar a flor amorosa de Francis (“A noite se encosta num poste de luz / em pó se desfaz / em fragmentos azuis / aos pés de um menino / a cidade afundou / levando o vazio / de quem não sonhou”).
Dentre as regravações, estão Palavras Cruzadas, feita com Toquinho na década de 80, e A Dor a Mais, última colaboração de Francis com seu primeiro parceiro, Vinicius de Moraes. Em Palavras Cruzadas, Toquinho surpreende como letrista, com achados como “Rio da ironia de uma vertical / que diz: sentimento profundo / que ilumina o mundo com seu resplendor”. Já Vinicius, mestre de todos os letristas da música brasileira, arremata bem a seu feitio: “Tens um outro amor, eu sei / mas nunca terás a dor a mais / como eu te dei / porque a dor a mais / só na paixão com que eu te amei”.
Além do piano e da voz de Francis Hime em todas as faixas, Arquitetura da Flor conta com Ricardo Silveira (guitarra e violão), Jorge Helder (baixo), Kiko Freitas e Téo Lima (bateria), Marcelo Costa (Percussão), Vittor Santos (trombone), Jessé Sadoc (trompete), Marcelo Martins (sax e flauta), Hugo Pilger (violoncelo), Cristiano Alves (clarineta). Mar do Amor Total traz as mulheres da vida de Francis no coro: a mulher Olivia, as filhas Maria, Luiza e Joana (a neta Bibi deve reforçar o coro em breve...). A produção é de Moogie Canazio, que atesta: “este disco reforça a presença de Francis Hime onde ele sempre mereceu estar. Entre os maiores da MPB de todos os tempos”.

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